ANVISA Autoriza Estudo Clínico com Células CAR-T: Mas afinal, o que são e como cultivá-las com sucesso em laboratório?

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ANVISA Autoriza Estudo Clínico com Células CAR-T: Mas afinal, o que são e como cultivá-las com sucesso em laboratório?

Artigo escrito por: Daniela Costa/ Revisado por: Antonio Monteiro

O futuro da medicina não está apenas em tratar doenças, mas em reprogramar células para curá-las.

Na vanguarda da medicina contemporânea, encontramos a incessante busca por terapias capazes de fornecer soluções eficazes para doenças complexas. A biotecnologia emerge como um dos campos mais promissores nessa exploração incessante, revelando avanços notáveis nos últimos anos no desenvolvimento de terapias celulares inovadoras. Entre essas inovações, destaca-se o uso das células CAR-T no tratamento do câncer, uma abordagem que tem o potencial de transformar a maneira como encaramos essa devastadora doença.

Recentemente, em 26 de setembro de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) concedeu autorização para a realização de um estudo clínico no Brasil envolvendo as células CAR-T. Essa autorização marca um significativo avanço na pesquisa médica do país e abre portas para uma nova era no tratamento do câncer.

O Hemocentro de Ribeirão Preto assume o estudo clínico de fase 1/2 que será realizado com 81 pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células. O programa de terapia com células CAR-T é uma colaboração entre o Hemocentro de Ribeirão Preto, a Universidade de São Paulo, a Fundação Butantan e o apoio de instituições de fomento, como a FAPESP e o CNPq.

Mas o que exatamente são as células CAR-T e por que essa autorização é tão importante?

Para compreendermos plenamente, é fundamental conhecermos alguns detalhes da produção e aplicação dessas células na terapia contra o câncer.

O processo de produção das células CAR-T é complexo e altamente especializado. Tudo começa com a coleta das células T do próprio paciente, geralmente por meio de um procedimento de leucaférese, que é a remoção terapêutica de leucócitos. Posteriormente, essas células T são transportadas para um laboratório especializado, onde passam por uma modificação genética. Nessa etapa, as células são geneticamente alteradas por meio de um vetor viral reprogramado, capaz de se associar às células humanas e combinar seus materiais genéticos com a nova informação genética associada a elas. Dessa maneira, as células T passam a expressar o receptor de antígeno quimérico (CAR), projetado especificamente para reconhecer células cancerosas, tornando as células T altamente direcionadas no combate ao câncer.

Após a modificação genética, as células CAR-T passam por um período de expansão em cultura, onde se multiplicam até atingir uma quantidade terapêutica suficiente. Esse estágio é crítico, pois garante a disponibilidade adequada de células CAR-T para combater o câncer. Por isso essas culturas exigem cuidados especiais, a fim de garantir a segurança do procedimento e manter a eficácia terapêutica quando as células forem reintroduzidas no paciente.

Em seguida, as células CAR-T são transferidas para o paciente após um período de condicionamento, que pode envolver quimioterapia a fim de preparar o corpo para a terapia celular. Quando administradas, essas células entram em ação, rastreando e destruindo células cancerosas que expressam o antígeno reconhecido pelo CAR.

Terapia com Células CAR-T.

O resultado desse processo é uma terapia altamente direcionada e eficaz, capaz de induzir a remissão do câncer em pacientes que não responderam a tratamentos convencionais. Importante destacar que as células CAR-T são personalizadas para cada paciente, uma vez que as próprias células são utilizadas, aumentando a eficácia e minimizando os riscos de rejeição.

Neste vídeo, https://vimeo.com/667271197, é possível conferir as células CAR-T em ação, combatendo as células tumorais em tempo real na cultura de células.

O Sucesso das Células CAR-T está além do design genético. Quais os principais fatores devem ser considerados para sua expansão em cultura?

O sucesso da terapia celular vai muito além do design genético das células CAR-T, pois está intrinsecamente ligado às condições do cultivo de células que influenciam sua funcionalidade.

Quando trabalhamos com culturas celulares, o primeiro passo é entender quais condições devem ser replicadas e como fazê-lo. A escolha do meio de cultura é o ponto inicial. No contexto da terapia celular, uma das opções é o uso de meios contendo 5% de soro humano. Contudo, os meios de cultura sem soro (SFM) têm ganhado preferência, pois reduzem a variabilidade na funcionalidade das células devido às flutuações esperadas na variação entre os lotes de soro. A decisão sobre qual utilizar depende de uma avaliação criteriosa sobre a qualidade das células, levando em consideração o potencial de expansão celular e a manutenção de um fenótipo de células T menos diferenciado, visando à persistência prolongada quando reinfundidas.

 A revisão de Watanabe et al. (2022) realiza uma análise abrangente de diversos artigos que ilustram o potencial e as comparações entre os meios de cultura com e sem soro humano para células CAR-T. Essa análise evidencia que ambos os tipos de meios podem proporcionar uma expansão eficaz, embora haja diferenças discerníveis entre eles.

 A escolha dos suplementos para o meio de cultura é igualmente determinante para a função das células. Em culturas citocinas podem ser utilizadas para estimular a proliferação celular. Para as células CAR-T, destacam-se as citocinas de cadeia gama, como IL-2, IL-7, IL-15 e IL-21 (Dwyer et al., 2019). Para decidir qual ou quais citocinas utilizar, deve-se considerar, novamente, o impacto na alteração do fenótipo e da função das células.

Além do meio de cultura, a duração do cultivo é um fator crítico. Em culturas primárias para terapia celular, é fundamental manter o período de cultivo o mais curto possível para garantir a funcionalidade ideal das células CAR-T. No entanto, essa duração pode variar dependendo das características clínicas do paciente. Podendo ser mais curto para paciente com doença agressiva, e mais longo para pacientes com contagens de células T mais baixas.

Outros fatores cruciais na terapia celular incluem a diferenciação das células e a senescência, algo esperado para culturas de células primárias e que, no caso das células CAR-T, pode ser acelerado também pelo uso de citocinas adicionadas como suplemento. Inibidores farmacológicos com potencial de suprimir a diferenciação e senescência das células T vêm sendo estudados como estratégia para melhorar a qualidade dessas células (Watanabe, 2022).

Por fim no que diz respeito a criopreservação e seu impacto na eficácia após o descongelamento. Dado que a criopreservação é uma etapa essencial na produção e distribuição da terapia, ao se implementar uma cultura de células CAR-T é vital analisar o método de criopreservação e otimizá-lo para alcançar os melhores resultados.

Estes são apenas alguns dos aspectos essenciais que devemos considerar ao abordar a terapia com células, como um todo, não apenas para as células CAR-T. A fase de expansão é um dos momentos cruciais para manter a qualidade e a segurança da terapia celular. Independentemente do tratamento, na área de culturas celulares, a pesquisa continua a todo vapor, buscando os melhores meios, suplementos e condições para proporcionar eficácia no tratamento do paciente.

Autorização da ANVISA: Um Novo Horizonte na Terapia com Células CAR-T

A autorização concedida pela ANVISA para estudo clínico com células CAR-T representa um avanço significativo no tratamento do câncer no Brasil, oferecendo uma nova luz de esperança para pacientes que enfrentam cânceres agressivos e resistentes aos tratamentos tradicionais. Além disso, evidencia o comprometimento do país em abraçar avanços médicos inovadores que têm o potencial de salvar vidas. Enquanto em outras partes do mundo, essa conquista permanece acessível a uma minoria privilegiada, no Brasil, a perspectiva é que em breve essa terapia seja incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), tornando a cura uma possibilidade acessível a todos.

Para nós do Banco de Células do Rio de Janeiro, é grandioso ver terapias como essa emergindo do laboratório ao leito do paciente. Tornando a aplicação da cultura de células uma verdadeira arte de tecer fios de cura na imensa tapeçaria da vida.

Para mais informações sobre a autorização do estudo clínico, acesse a matéria completa no site da ANVISA e no site do Hemocentro Ribeirão Preto.

Para mais informações sobre as análises e serviços realizados pelo BCRJ, escreva para [email protected]

Referências:

ANVISA. ANVISA autoriza pesquisa clínica com células “CAR-T” no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/anvisa-autoriza-pesquisa-clinica-com-celulas-201ccar-2013-t201d-no-brasilAcesso em: 26 de setembro de 2023.

Dwyer CJ, Knochelmann HM, Smith AS, Wyatt MM, Rangel Rivera GO, Arhontoulis DC, Bartee E, Li Z, Rubinstein MP, Paulos CM. Fueling Cancer Immunotherapy With Common Gamma Chain Cytokines. Front Immunol. 2019 Feb 20;10:263. doi: 10.3389/fimmu.2019.00263.

Gumber D, Wang LD. Improving CAR-T immunotherapy: Overcoming the challenges of T cell exhaustion. EBioMedicine. 2022 Mar;77:103941. doi: 10.1016/j.ebiom.2022.103941.

Hemocentro da USP. Estudo Clínico para o tratamento de leucemia e linfoma. Disponível em: https://www.hemocentro.fmrp.usp.br/terapia/. Acesso em: 30 de setembro de 2023.

Watanabe N, Mo F, McKenna MK. Impact of Manufacturing Procedures on CAR T Cell Functionality. Front Immunol. 2022 Apr 13;13:876339. doi: 10.3389/fimmu.2022.876339.

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