Terapia gênica avança no Brasil: Anvisa autoriza estudo clínico da Fiocruz para tratar AME tipo 1

Blog

Terapia gênica avança no Brasil: Anvisa autoriza estudo clínico da Fiocruz para tratar AME tipo 1

Artigo escrito por: Daniela Costa / Revisado por: Paola Cappelletti

Entre avanços científicos, autonomia tecnológica e impacto social, a aprovação reafirma a capacidade do Brasil em desenvolver soluções inovadoras e de alta complexidade para doenças raras.

Nos últimos anos, a biotecnologia brasileira atravessou uma transformação silenciosa, porém profunda. Um processo que não se resume a aprovações regulatórias ou anúncios isolados, mas a uma construção contínua de capacidade científica, técnica e institucional. Para compreender de fato a relevância da autorização concedida pela Anvisa à Fiocruz, permitindo o início de um estudo clínico nacional de terapia gênica para Atrofia Muscular Espinhal tipo 1 (AME1), é necessário revisitar a trajetória que o Brasil percorreu desde 2020.

Foi naquele ano que a Anvisa aprovou a primeira terapia gênica indicada para o tratamento da AME no país, o Zolgensma®. O comunicado oficial enfatizava o caráter inovador da tecnologia e o rigor aplicado na análise de qualidade, segurança, rastreabilidade e controle do vetor viral adenoassociado. Mais do que um marco técnico, aquela aprovação representou um salto regulatório: o Brasil demonstrava capacidade não apenas para acompanhar os avanços internacionais, mas para avaliá-los com padrão regulatório elevado. Esse episódio inaugurou uma nova etapa dentro da agência, que passaria a lidar com produtos cada vez mais complexos e com demandas metodológicas inéditas.

Cinco anos depois, em outubro de 2025, a perspectiva mudou novamente, desta vez, no âmbito da saúde pública. O Ministério da Saúde anunciou que o Zolgensma® passaria a ser disponibilizado pelo SUS para bebês elegíveis com AME tipo 1. A notícia publicada pelo governo federal destacava a importância do diagnóstico precoce e da integração com o teste do pezinho, a definição de centros habilitados para aplicação da terapia e a dimensão social de garantir acesso gratuito a um tratamento cujo custo e complexidade colocavam o Brasil entre os poucos países capazes de ofertá-lo na rede pública. Foi um marco que extrapolou a esfera científica: tratou-se de um gesto de equidade, tecnologia e compromisso com doenças raras.

É nesse cenário, de amadurecimento regulatório e expansão do acesso, que surge a notícia publicada nessa última semana de novembro: a autorização da Anvisa para que a Fiocruz conduza um estudo clínico brasileiro de terapia gênica para AME tipo 1, desenvolvido em território nacional. Diferentemente da aprovação de 2020, que dizia respeito a uma tecnologia elaborada integralmente no exterior, agora falamos de produção de conhecimento, desenvolvimento tecnológico e investigação científica realizados dentro de instituições brasileiras. Uma mudança que tem valor histórico por si só.

A página oficial da Anvisa destaca que o estudo envolve Bio-Manguinhos e a empresa GEMMABio, num arranjo que possibilita transferência de tecnologia, fortalecimento das capacidades internas e a construção de plataformas nacionais de pesquisa em terapias avançadas. Isso é particularmente significativo porque rompe com o ciclo de dependência tecnológica que ainda marca grande parte dos tratamentos de altíssima complexidade no país. Se a aprovação do Zolgensma® representou nossa capacidade de regular; e se sua incorporação ao SUS demonstrou capacidade de oferecer; a pesquisa clínica da Fiocruz inaugura um terceiro eixo: a capacidade de desenvolver.

AME tipo 1: uma doença rara que acelera o tempo clínico

A Atrofia Muscular Espinhal tipo 1 é uma das doenças genéticas mais devastadoras da infância. Causada por mutações bialélicas no gene SMN1, ela impede a expressão da proteína SMN, fundamental para a sobrevivência, funcionalidade e integridade dos neurônios motores. Sem essa proteína, inicia-se uma cascata de degeneração neuromuscular que progride rapidamente.

As consequências clínicas são dramáticas: perda acelerada de tônus muscular, dificuldade de deglutição e sucção, incapacidade de sustentar a cabeça, evolução para insuficiência respiratória e alta mortalidade ainda no primeiro ano de vida, na ausência de intervenção terapêutica.

Quanto mais entendemos sua fisiopatologia, mais clara se torna a urgência por intervenções precoces, e é exatamente nesse momento que a terapia gênica mostra o quanto pode ser transformadora. Ao reinstalar a função perdida do SMN1, ela atua na raiz molecular da doença, algo que nenhuma abordagem tradicional é capaz de fazer.

A elegância e a potência dessa estratégia terapêutica explicam por que a AME1 se tornou um dos grandes modelos de sucesso das terapias gênicas no mundo, e porque ter essa investigação científica conduzida agora em território brasileiro representa um passo tão significativo.

Mas é fundamental entender que acessar uma tecnologia é muito diferente de efetivamente construí-la. A disponibilidade do Zolgensma® no SUS é, sem dúvida, uma conquista monumental. Porém, ela depende de cadeias produtivas estrangeiras, preços globais de alta sensibilidade e logística internacional. Já o estudo clínico da Fiocruz aponta para outro horizonte: o da autonomia científica, o do domínio de plataformas de vetores virais, da capacidade de ensaios não-clínicos e clínicos, além do fortalecimento de uma cadeia nacional de desenvolvimento.

E aqui entra uma camada ainda mais silenciosa, porém decisiva. Terapias gênicas só existem porque existe um ecossistema técnico que sustenta tudo aquilo que o paciente nunca vê: bancos celulares de alta qualidade, cultura de células padronizada, testes de autenticidade, controle rigoroso de qualidade, rastreabilidade completa e documentação robusta. Do desenvolvimento do vetor viral ao controle de segurança e eficácia, tudo depende de linhagens celulares confiáveis, armazenadas com rigor metodológico e manipuladas segundo Boas Práticas de Cultura de Células.

É exatamente esse tipo de infraestrutura, invisível, mas imprescindível, que instituições como o BCRJ ajudam a manter e fortalecer no Brasil. Biobancos não são meros repositórios; são fundações técnicas sobre as quais terapias avançadas se tornam possíveis. Sem rastreabilidade, não há reprodutibilidade. Sem bancos celulares robustos, não há segurança. Sem cultura de células padronizada, não há vetor viral confiável. A base corrobora o topo.

Quando observamos a linha entre 2020 e 2025, fica claro que o Brasil não está apenas “entrando” na era da terapia gênica, ele está crescendo dentro dela.

A aprovação para AME em 2020 mostrou que sabemos avaliar.

A oferta pelo SUS em 2025 mostrou que sabemos entregar.

A pesquisa clínica da Fiocruz agora mostra que sabemos, e podemos, desenvolver.

Trata-se de um movimento articulado, que envolve instituições públicas, reguladores, centros de pesquisa, biobancos, profissionais especializados e políticas públicas sensíveis à inovação. Um movimento que consolida o Brasil não como espectador do avanço biotecnológico global, mas como participante ativo de sua construção.

Quer se preparar para essa nova fronteira?

O BCRJ oferece cursos especializados em Boas Práticas em Cultura de Células, Cultura de Células 3D e Toxicologia in vitro, com foco em estudos de segurança.  Venha aprender os fundamentos que garantem qualidade, rastreabilidade e inovação em cultura celular, da bancada ao prato.

📩 Informações: [email protected]

Acompanhe nossas publicações para mais conteúdos sobre inovação científica.

PARCEIROS

BCRJ #CellCulture #CulturaCelular #BoasPráticas #Toxicologiainvitro #Toxicologia #Biotecnologia #CarneCultivada #Terapiagenica #ANVISA #Genetica #medicinadeprecisao #BioNutrientes #Merck

Referências:

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Aprovado registro de produto de terapia gênica. Brasília, 2020.
Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/aprovado-registro-de-produto-de-terapia-genica.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Terapia gênica inédita chega ao SUS para tratamento da Atrofia Muscular Espinhal. Brasília, 2025.
Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/outubro/terapia-genica-inedita-chega-ao-sus-para-tratamento-da-atrofia-muscular-espinhal.

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Anvisa autoriza pesquisa clínica da Fiocruz com terapia gênica para tratamento de doença rara. Brasília, 2025.
Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2025/anvisa-autoriza-pesquisa-clinica-da-fiocruz-com-terapia-genica-para-tratamento-da-doenca-rara.

Tags:

Compartilhar:

Posts Relacionados

+55 21 2145-3337

Fale conosco: