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09 nov. 2023

Artigo escrito por: Daniela Costa/ Revisado por: Paola Cappelletti

Olá, prezados leitores!
Na segunda edição da nossa newsletter, abordaremos o Teste de Ames, um procedimento essencial na avaliação da segurança de produtos químicos e compostos.
O Teste de Ames, nomeado em homenagem ao seu criador, o Dr. Bruce Ames, é uma técnica de triagem amplamente utilizada para avaliar a mutagenicidade de substâncias químicas. Este teste é baseado no uso de cepas bacterianas específicas, como Salmonella typhimurium e Escherichia coli, que foram geneticamente modificadas para não produzir um aminoácido essencial, como histidina (no caso de Salmonella) ou triptofano (no caso de E. coli). Essa modificação genética torna essas cepas bacterianas particularmente sensíveis a mutações.

Para ilustrar, tomemos o exemplo do sistema de teste que envolve Salmonella typhimurium incapaz de produzir histidina. A premissa fundamental desse teste reside na exposição dessas cepas mutantes a produtos químicos específicos (itens de teste que podem ser mutagênicos). Tendo a histidina como um aminoácido essencial para o crescimento celular, quando essas cepas são cultivadas em um meio que contém um item de teste mutagênico, o mesmo pode induzir uma mutação secundária no gene que codifica a histidina, substituindo a mutação original e promovendo a recuperação da capacidade dessa bactéria de sintetizar o aminoácido. Esse processo é conhecido como mutação reversa, e os produtos químicos que desencadeiam essa reversão são considerados mutagênicos.

Em termos práticos, nas culturas de S. typhimurium em que a reversão bacteriana não ocorre, não observamos a formação de muitas colônias. No entanto, nas cepas em que a reversão bacteriana acontece as colônias se desenvolvem em quantidade maior, isso indica que a substância testada causou uma segunda mutação, sendo, portanto, considerada mutagênica.

Legenda: Princípio do Teste de Ames

Realização do teste e suas diretrizes
Para garantir a validade dos resultados do Teste de Ames, é fundamental que as bactérias estejam na fase logarítmica do ciclo de crescimento, onde o número máximo de bactérias viáveis pode ser encontrado. Portanto, é crucial cultivar as bactérias até a fase exponencial tardia ou estacionária inicial, sendo desaconselhado o uso de culturas em fase estacionária tardia.
A seleção apropriada das cepas bacterianas é um passo crítico para o teste de Ames. Para obter resultados precisos e confiáveis, é necessário escolher cepas que sejam sensíveis a diferentes tipos de mutações. Além disso, seguir protocolos rigorosos é essencial para garantir a reprodutibilidade dos resultados. Um dos guias mais recomendados para a realização deste teste é o Guideline da OCDE TG nº 471, que estabelece diretrizes para o teste e é amplamente aceito internacionalmente. Esse documento está disponível gratuitamente no site da OCDE.
Normalmente, são usadas cinco cepas testadoras, dentre elas, quatro de Salmonella typhimurium (TA1535; TA1537 ou TA97a ou TA97; TA98; e TA100) e uma cepa E. coli WP2 uvrA, ou E. coli WP2 uvrA (pKM101), ou S. typhimurium TA102 em cada ensaio. O teste pode ser realizado por dois métodos convencionais: o Método de Incorporação de Placa Padrão e o Método de Pré-incubação. Em ambos os métodos, o item de teste é avaliado na presença e ausência de ativação metabólica (S9) para garantir a precisão dos resultados.

A incubação de todas as placas deve ser a 37°C durante 48-72 horas. Ao fim desse período, o número de colônias revertentes por placa é contabilizado. Um resultado positivo é caracterizado por um aumento dependente da concentração na frequência de reversão que excede os limites específicos da cepa. Para os resultados negativos, a interpretação é de que, nas condições do ensaio, o item de teste em estudo não é mutagênico nas espécies testadas.

Neste vídeo, https://vimeo.com/468729195, é possível conferir uma breve explicação sobre a realização do teste.

Momento apropriado para realizar o teste
Apesar de muitas empresas frequentemente não examinarem seus compostos quanto à mutagenicidade nas fases iniciais de desenvolvimento, essa não é uma prática recomendável, pois pode resultar em desperdício de tempo e recursos. Incorporar o teste de Ames nas fases iniciais do desenvolvimento de um produtos é crucial, especialmente quando é essencial avaliar a segurança de compostos. Isso permite a identificação precoce de potenciais problemas, economizando tempo e recursos a longo prazo.
O teste de Ames pode ser realizado em diversas situações, incluindo triagem de compostos, atendimento a requisitos REACH para o comércio na Europa, avaliação de impurezas, como nitrosaminas, e procedimentos de teste de Ames em conformidade com diretrizes específicas.
Em casos de recursos limitados, versões de triagem do teste de Ames podem ser utilizadas, como testes com ativação metabólica, doses máximas reduzidas, menos placas replicadas e redução do número de estirpes bacterianas examinadas. No entanto, é importante destacar que essas versões de triagem podem ter dificuldade em detectar mutagênicos fracos.

O impacto de um teste de Ames positivo
Um resultado positivo no teste de Ames indica que a substância testada tem o potencial de causar mutações genéticas, o que é uma preocupação significativa, uma vez que mutações podem levar ao desenvolvimento de câncer e outros problemas de saúde. Como resultado, um teste de Ames positivo pode desencadear investigações mais aprofundadas e, em alguns casos, pode resultar na interrupção do uso da substância ou do desenvolvimento de um produto. No entanto, é importante ressaltar que um teste positivo por si só não determina se uma substância é carcinogênica em seres humanos, mas serve como um indicador preocupante.

O Teste de Ames como alternativa ao uso de animais
Nos últimos anos, houve um movimento significativo para reduzir ou eliminar o uso de animais em pesquisas. Nesse contexto, o Teste de Ames se destaca como um método alternativo, uma vez que fornece uma maneira de avaliar a mutagenicidade in vitro, substituindo a necessidade de utilizar modelos animais para avaliação da mutagenicidade. Essa abordagem está alinhada com a crescente preocupação com o bem-estar animal e a busca por métodos mais éticos na pesquisa científica.
No Banco de Células do Rio de Janeiro estamos comprometidos em promover continuamente testes e ensaios que substituam, reduzam e refinem o uso de animais em experimentações. Como parte desse compromisso, temos o Teste de Ames disponível em nosso catálogo, proporcionando uma abordagem ética e eficaz na avaliação da segurança de produtos químicos. Continuaremos a inovar e avançar, buscando alternativas que priorizem o bem-estar animal e a excelência na pesquisa científica.

Referências:
Vijay U, Gupta S, Mathur P, Suravajhala P, Bhatnagar P. Microbial Mutagenicity Assay: Ames Test. Bio Protoc. 2018 Mar 20;8(6):e2763. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-804667-8.00003-1. PMID: 34179285; PMCID: PMC8203972.

OECD (2020). Test No. 471: Bacterial Reverse Mutation Test. OECD Guidelines for the Testing of Chemicals, Section 4, OECD Publishing, Paris. Disponível em: https://doi.org/10.1787/9789264071247-en.

Jain, A.K., Singh, D., Dubey, K., Maurya, R., Mittal, S., Pandey, A.K. (2018). Models and Methods for In Vitro Toxicity. In: Dhawan, A., Kwon, S. (Eds.), In Vitro Toxicology. Academic Press. ISBN 9780128046678. Disponível em: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-804667-8.00003-1

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02 out. 2023

Artigo escrito por: Daniela Costa/ Revisado por: Antonio Monteiro

O futuro da medicina não está apenas em tratar doenças, mas em reprogramar células para curá-las.

Na vanguarda da medicina contemporânea, encontramos a incessante busca por terapias capazes de fornecer soluções eficazes para doenças complexas. A biotecnologia emerge como um dos campos mais promissores nessa exploração incessante, revelando avanços notáveis nos últimos anos no desenvolvimento de terapias celulares inovadoras. Entre essas inovações, destaca-se o uso das células CAR-T no tratamento do câncer, uma abordagem que tem o potencial de transformar a maneira como encaramos essa devastadora doença.

Recentemente, em 26 de setembro de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) concedeu autorização para a realização de um estudo clínico no Brasil envolvendo as células CAR-T. Essa autorização marca um significativo avanço na pesquisa médica do país e abre portas para uma nova era no tratamento do câncer.

O Hemocentro de Ribeirão Preto assume o estudo clínico de fase 1/2 que será realizado com 81 pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células. O programa de terapia com células CAR-T é uma colaboração entre o Hemocentro de Ribeirão Preto, a Universidade de São Paulo, a Fundação Butantan e o apoio de instituições de fomento, como a FAPESP e o CNPq.

Mas o que exatamente são as células CAR-T e por que essa autorização é tão importante?

Para compreendermos plenamente, é fundamental conhecermos alguns detalhes da produção e aplicação dessas células na terapia contra o câncer.

O processo de produção das células CAR-T é complexo e altamente especializado. Tudo começa com a coleta das células T do próprio paciente, geralmente por meio de um procedimento de leucaférese, que é a remoção terapêutica de leucócitos. Posteriormente, essas células T são transportadas para um laboratório especializado, onde passam por uma modificação genética. Nessa etapa, as células são geneticamente alteradas por meio de um vetor viral reprogramado, capaz de se associar às células humanas e combinar seus materiais genéticos com a nova informação genética associada a elas. Dessa maneira, as células T passam a expressar o receptor de antígeno quimérico (CAR), projetado especificamente para reconhecer células cancerosas, tornando as células T altamente direcionadas no combate ao câncer.

Após a modificação genética, as células CAR-T passam por um período de expansão em cultura, onde se multiplicam até atingir uma quantidade terapêutica suficiente. Esse estágio é crítico, pois garante a disponibilidade adequada de células CAR-T para combater o câncer. Por isso essas culturas exigem cuidados especiais, a fim de garantir a segurança do procedimento e manter a eficácia terapêutica quando as células forem reintroduzidas no paciente.

Em seguida, as células CAR-T são transferidas para o paciente após um período de condicionamento, que pode envolver quimioterapia a fim de preparar o corpo para a terapia celular. Quando administradas, essas células entram em ação, rastreando e destruindo células cancerosas que expressam o antígeno reconhecido pelo CAR.

Terapia com Células CAR-T.

O resultado desse processo é uma terapia altamente direcionada e eficaz, capaz de induzir a remissão do câncer em pacientes que não responderam a tratamentos convencionais. Importante destacar que as células CAR-T são personalizadas para cada paciente, uma vez que as próprias células são utilizadas, aumentando a eficácia e minimizando os riscos de rejeição.

Neste vídeo, https://vimeo.com/667271197, é possível conferir as células CAR-T em ação, combatendo as células tumorais em tempo real na cultura de células.

O Sucesso das Células CAR-T está além do design genético. Quais os principais fatores devem ser considerados para sua expansão em cultura?

O sucesso da terapia celular vai muito além do design genético das células CAR-T, pois está intrinsecamente ligado às condições do cultivo de células que influenciam sua funcionalidade.

Quando trabalhamos com culturas celulares, o primeiro passo é entender quais condições devem ser replicadas e como fazê-lo. A escolha do meio de cultura é o ponto inicial. No contexto da terapia celular, uma das opções é o uso de meios contendo 5% de soro humano. Contudo, os meios de cultura sem soro (SFM) têm ganhado preferência, pois reduzem a variabilidade na funcionalidade das células devido às flutuações esperadas na variação entre os lotes de soro. A decisão sobre qual utilizar depende de uma avaliação criteriosa sobre a qualidade das células, levando em consideração o potencial de expansão celular e a manutenção de um fenótipo de células T menos diferenciado, visando à persistência prolongada quando reinfundidas.

 A revisão de Watanabe et al. (2022) realiza uma análise abrangente de diversos artigos que ilustram o potencial e as comparações entre os meios de cultura com e sem soro humano para células CAR-T. Essa análise evidencia que ambos os tipos de meios podem proporcionar uma expansão eficaz, embora haja diferenças discerníveis entre eles.

 A escolha dos suplementos para o meio de cultura é igualmente determinante para a função das células. Em culturas citocinas podem ser utilizadas para estimular a proliferação celular. Para as células CAR-T, destacam-se as citocinas de cadeia gama, como IL-2, IL-7, IL-15 e IL-21 (Dwyer et al., 2019). Para decidir qual ou quais citocinas utilizar, deve-se considerar, novamente, o impacto na alteração do fenótipo e da função das células.

Além do meio de cultura, a duração do cultivo é um fator crítico. Em culturas primárias para terapia celular, é fundamental manter o período de cultivo o mais curto possível para garantir a funcionalidade ideal das células CAR-T. No entanto, essa duração pode variar dependendo das características clínicas do paciente. Podendo ser mais curto para paciente com doença agressiva, e mais longo para pacientes com contagens de células T mais baixas.

Outros fatores cruciais na terapia celular incluem a diferenciação das células e a senescência, algo esperado para culturas de células primárias e que, no caso das células CAR-T, pode ser acelerado também pelo uso de citocinas adicionadas como suplemento. Inibidores farmacológicos com potencial de suprimir a diferenciação e senescência das células T vêm sendo estudados como estratégia para melhorar a qualidade dessas células (Watanabe, 2022).

Por fim no que diz respeito a criopreservação e seu impacto na eficácia após o descongelamento. Dado que a criopreservação é uma etapa essencial na produção e distribuição da terapia, ao se implementar uma cultura de células CAR-T é vital analisar o método de criopreservação e otimizá-lo para alcançar os melhores resultados.

Estes são apenas alguns dos aspectos essenciais que devemos considerar ao abordar a terapia com células, como um todo, não apenas para as células CAR-T. A fase de expansão é um dos momentos cruciais para manter a qualidade e a segurança da terapia celular. Independentemente do tratamento, na área de culturas celulares, a pesquisa continua a todo vapor, buscando os melhores meios, suplementos e condições para proporcionar eficácia no tratamento do paciente.

Autorização da ANVISA: Um Novo Horizonte na Terapia com Células CAR-T

A autorização concedida pela ANVISA para estudo clínico com células CAR-T representa um avanço significativo no tratamento do câncer no Brasil, oferecendo uma nova luz de esperança para pacientes que enfrentam cânceres agressivos e resistentes aos tratamentos tradicionais. Além disso, evidencia o comprometimento do país em abraçar avanços médicos inovadores que têm o potencial de salvar vidas. Enquanto em outras partes do mundo, essa conquista permanece acessível a uma minoria privilegiada, no Brasil, a perspectiva é que em breve essa terapia seja incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), tornando a cura uma possibilidade acessível a todos.

Para nós do Banco de Células do Rio de Janeiro, é grandioso ver terapias como essa emergindo do laboratório ao leito do paciente. Tornando a aplicação da cultura de células uma verdadeira arte de tecer fios de cura na imensa tapeçaria da vida.

Para mais informações sobre a autorização do estudo clínico, acesse a matéria completa no site da ANVISA e no site do Hemocentro Ribeirão Preto.

Para mais informações sobre as análises e serviços realizados pelo BCRJ, escreva para [email protected]

Referências:

ANVISA. ANVISA autoriza pesquisa clínica com células “CAR-T” no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/anvisa-autoriza-pesquisa-clinica-com-celulas-201ccar-2013-t201d-no-brasilAcesso em: 26 de setembro de 2023.

Dwyer CJ, Knochelmann HM, Smith AS, Wyatt MM, Rangel Rivera GO, Arhontoulis DC, Bartee E, Li Z, Rubinstein MP, Paulos CM. Fueling Cancer Immunotherapy With Common Gamma Chain Cytokines. Front Immunol. 2019 Feb 20;10:263. doi: 10.3389/fimmu.2019.00263.

Gumber D, Wang LD. Improving CAR-T immunotherapy: Overcoming the challenges of T cell exhaustion. EBioMedicine. 2022 Mar;77:103941. doi: 10.1016/j.ebiom.2022.103941.

Hemocentro da USP. Estudo Clínico para o tratamento de leucemia e linfoma. Disponível em: https://www.hemocentro.fmrp.usp.br/terapia/. Acesso em: 30 de setembro de 2023.

Watanabe N, Mo F, McKenna MK. Impact of Manufacturing Procedures on CAR T Cell Functionality. Front Immunol. 2022 Apr 13;13:876339. doi: 10.3389/fimmu.2022.876339.

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29 ago. 2023

No vasto universo da pesquisa biológica, há histórias que transcendem as barreiras do tempo e deixam um impacto imensurável. Uma dessas histórias é a do Professor Radovan Borojevic, um visionário, líder e fundador do Banco de Células do Rio de Janeiro, a única coleção de linhagens celulares do Continente. Sua trajetória de dedicação, desafios superados e conquistas notáveis é uma inspiração para os amantes da ciência. Nesta matéria, mergulharemos na vida desse notável cientista e exploraremos como as suas contribuições revolucionaram a pesquisa biológica e inspiraram futuras gerações.

Da Academia ao Reconhecimento Global: Uma Carreira em Ascensão

A jornada do Professor Radovan Borojevic é um testemunho inspirador de como a persistência e a excelência podem pavimentar o caminho para o reconhecimento. Em um mar de talentos, o portal acadêmico Research.com classificou 50 professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre os melhores cientistas do mundo, e dentre esses notáveis está o Professor Borojevic. Essa distinção é baseada em méritos tangíveis, com o D-index – que avalia a quantidade de artigos publicados e suas citações – posicionando-o como um líder em seu campo de atuação.

Jornada e Dedicação

Nascido na Croácia em 1940, o Professor Borojevic trilhou um caminho repleto de desafios desde cedo. Graduando-se em Biologia na Universidade de Zagreb, ele se lançou em estudos de Biologia Marinha, moldando seu entendimento das complexidades da vida. Sua busca por conhecimento o levou à França onde se pós graduou e o fez até chegar ao Brasil. A dedicação incansável à pesquisa e à exploração científica marcou cada etapa de sua jornada.

Contribuições de Destaque

As contribuições do Professor Radovan Borojevic vão além das bancadas de laboratório e alcançam as vidas de inúmeras pessoas. Seu pioneirismo na criação do Banco de Células do Rio de Janeiro abriu novas possibilidades na pesquisa biológica e na medicina regenerativa. Sua visão multifacetada o conduziu a colaborações interdisciplinares, entre as quais destacamos as parcerias com pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, expandindo horizontes e pavimentando um caminho para novas possibilidades terapêuticas, e com o Hospital Pró-Cardíaco, onde, pela primeira vez no mundo, pacientes que aguardavam na fila de transplante de coração se recuperaram após o implante de células-tronco. Suas incansáveis explorações em células-tronco e terapia celular impulsionaram avanços no cenário da medicina regenerativa no Brasil. No entanto, nessa jornada, o Professor enfrentou consideráveis desafios, como obstáculos regulatórios. Esses desafios, no entanto, não o impediram; em vez disso, serviram como combustível para sua determinação, tendo contribuído para uma mudança nesse cenário regulatório, sendo hoje possível a Terapia Celular no Brasil. Deixando um legado duradouro que continua a moldar o campo até os dias atuais.

Reconhecimento e Legado Duradouro

O impacto do Professor Borojevic ecoa além das fronteiras do laboratório. Sua inserção entre os melhores cientistas do mundo, classificado pelo portal acadêmico Research.com, é um testemunho de seu legado notável. Além disso, seu título de Professor Emérito da UFRJ é um reconhecimento merecido de sua dedicação à educação e à pesquisa. O recente anúncio do Prêmio Radovan Borojevic, na 42ª Jornada Carioca de Cirurgia Plástica, reflete seu impacto duradouro na comunidade científica e sua capacidade de inspirar gerações futuras.

Diretor do BCRJ Antonio Monteiro e a Pesquisadora Karla Menezes recebendo o Prêmio em nome do Professor Radovan Borojevic na 42ª Jornada Carioca de Cirurgia Plástica.

Fonte: https://anadem.org.br/2023/08/02/celulas-tronco-ganham-destaque-durante-42a-jornada-carioca-de-cirurgia-plastica-presidente-da-anadem-palestra-sobre-os-caminhos-regulatorios/
Professor Radovan Borojevic recebendo o prêmio ‘Radovan Borojevic’ pelas mãos do Diretor do BCRJ, Antonio Monteiro, e da Pesquisadora Karla Menezes, que o representaram na 42ª Jornada Carioca de Cirurgia Plástica.

Mentoria e Educação: Cultivando Líderes e Impulsionadores da Ciência

Além de suas proezas científicas, o Professor Borojevic também tem sido um farol para gerações por vir. Seu compromisso com a educação e mentoria reflete uma profunda paixão por nutrir a próxima geração de líderes científicos. Sua presença nas salas de aula do BCRJ até o presente momento ecoa a dedicação à disseminação do conhecimento, preparando mentes jovens para enfrentar os desafios da ciência com confiança e habilidade na Cultura de Células. Sua dedicação ao ensino e à orientação de estudantes evidencia sua vontade de passar adiante o bastão do conhecimento e nutrir as mentes brilhantes do amanhã.

O Farol da Medicina Regenerativa: Um Legado em Progresso

À medida que contemplamos as conquistas do Professor Radovan Borojevic, é claro que seu legado transcende as fronteiras da pesquisa. Seu nome é uma referência para a inovação, a dedicação e a busca incansável pela excelência científica. Para nós do Banco de Células do Rio de Janeiro sua jornada é como um farol de inspiração todos os dias.
Prof. Radovan, o domador de células!

Equipe do BCRJ

Nós do BCRJ somos privilegiados em tê-lo como MESTRE todos os dias. Seus ensinamentos nos inspiram a alcançar novos patamares e a crescer constantemente. Muito obrigado por compartilhar seu conhecimento conosco.

Referências:

Revista Pesquisa Fapesp – “Radovan Borojevic: O domador de células”
https://revistapesquisa.fapesp.br/radovan-borojevic-o-domador-de-celulas/

Conexão UFRJ – “50 professores da UFRJ entre os melhores cientistas do planeta” https://conexao.ufrj.br/2023/08/50-professores-da-ufrj-entre-os-melhores-cientistas-do-planeta/

ANADEM – “Células-tronco ganham destaque durante 42ª Jornada Carioca de Cirurgia Plástica” Link
https://anadem.org.br/2023/08/02/celulas-tronco-ganham-destaque-durante-42a-jornada-carioca-de-cirurgia-plastica-presidente-da-anadem-palestra-sobre-os-caminhos-regulatorios/

Banco de Células do Rio de Janeiro – “Quem somos – Prof. Radovan Borojevic”
https://bcrj.org.br/intitucional/quem-somos/profo-radovan-borojevic/

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26 ago. 2022

Mais uma conquista do BCRJ, reflexo da competência, profissionalismo, experiência e comprometimento da nossa equipe.
Comprovando a qualidade dos nossos serviços, o BCRJ conquistou o reconhecimento nas Boas Práticas de Laboratório para Estudos na área de Toxicidade e Citotoxicidade.
Somos a primeira coleção da América do Sul a aplicar a expertise em cultura de células na realização de Métodos Alternativos ao uso de Animais com BPL para prestação de serviço.
Conheça o portfólio dos estudos em BPL, entre em contato para mais informações [email protected]

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26 ago. 2022

Em 15 de Janeiro conquistamos o registro no Biobank and Cohort Building Network (BCNet) .

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26 ago. 2022

Já conhece nossos kits de soros e plasmas positivos e negativos para SARS-CoV-2?

Se você está desenvolvendo pesquisas sobre o novo coronavírus, desenvolvendo testes sorológicos para Covid-19, quantificando anticorpos neutralizantes em amostras humanas ou desenvolvendo outras pesquisas em que necessite de amostras clínicas humanas bem caracterizadas, sabidamente positivas ou negativas para anticorpos anti-SARS-CoV-2, temos painéis de soros e plasmas para facilitar e acelerar a sua pesquisa!

Entre em contato conosco através do e-mail [email protected].

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“Qualidade é mais que nossa meta, é nossa cultura!”

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26 ago. 2022

Professor emérito da UFRJ, biólogo de origem croata fala dos percalços e das perspectivas animadoras da medicina regenerativa

Prestes a completar 80 anos, Radovan Borojevic não se queixa da vida. “Tive mais oportunidades do que consegui aproveitar”, afirma o biólogo. “Sinto-me na obrigação de retribuir com meu trabalho.” Filho de um militar sérvio e mãe croata, Borojevic nasceu em Zagreb, na extinta Iugoslávia, em novembro de 1940, uma semana antes de o país ser invadido pela Alemanha e arrastado para a Segunda Guerra Mundial. Passou fome durante o conflito e cresceu em uma ditadura socialista. Dificuldades econômicas e sociais o forçaram a abandonar a universidade em Zagreb e imigrar para a França.

Em Estrasburgo, encontrou uma chance de concluir os estudos e, sob a orientação do biólogo Claude Lévi, enveredou por um tema que orientou sua carreira científica: a busca por compreender como as células se comunicam e influenciam o ambiente em que estão inseridas, conhecimento fundamental para o desenvolvimento de terapias para regenerar tecidos lesionados.
Borojevic chegou ao Brasil no final dos anos 1960 e, em 1980, entrou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ali, ajudou a implantar o primeiro serviço de transplante de medula óssea do estado do Rio de Janeiro e a desenvolver estudos pioneiros usando células-tronco para tratar doenças cardiovasculares e degenerativas. Aposentado da universidade, segue à frente do maior banco de células da América Latina, que disponibiliza mais de 300 linhagens celulares para pesquisa, criado por ele no início dos anos 1980 e hoje situado no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

Na entrevista a seguir, concedida em agosto por videochamada, ele fala dos principais contratempos e avanços da medicina regenerativa no Brasil e no mundo.

Idade
79 anos

Especialidade
Terapias celulares e regeneração e reparo tecidual

Instituição
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Formação
Graduado em biologia pela Universidade de Estrasburgo (1963) e doutorado pela Universidade de Paris VI (1968), ambas na França

Produção
307 artigos em revistas científicas, 23 capítulos de livros, 67 orientações de mestrado e 50 de doutorado

Produção
307 artigos em revistas científicas, 23 capítulos de livros, 67 orientações de mestrado e 50 de doutorado

O senhor tem uma trajetória eclética. Estudou esponjas marinhas, infecção parasitária e regeneração de tecidos. Quais desafios o estimulam hoje?
Estou no final da carreira e retomei a linha de pesquisa que comecei no laboratório de Claude Lévi, na Universidade de Estrasburgo, quando imigrei para a França. Meu interesse é a célula. Quando cheguei a Estrasburgo nos anos 1960, Lévi estava iniciando uma linha de pesquisa, com interesse particular na evolução das esponjas marinhas, os primeiros seres vivos a alcançar organização multicelular. Ele queria compreender como ocorreu a integração das células. Antes das esponjas, as células funcionavam como entidades isoladas e autônomas. A partir desses organismos, passam a compor um sistema e só desempenham – ou deveriam desempenhar – a função determinada pelo conjunto.

E o que descobriu?
Estudando a organização das comunidades celulares das esponjas, descobri que elas têm um tipo de célula-tronco equivalente às células mesenquimais de organismos mais complexos. Essas células fazem de tudo. São capazes de se multiplicar e de se diferenciar em outros tipos de células. Elas se reproduzem e mantêm sua própria população, mas também percebem de qual tipo de célula o organismo necessita em certo momento e a gera, suprindo essa necessidade. Na minha tese de doutorado, propus sua existência em esponjas. Esse tipo de célula é fundamental na terapia celular. O conceito de célula dentro de seu contexto é o foco do meu trabalho, porque isso se aplica a processos regenerativos. Para recuperar um tecido lesionado ou restaurar danos do envelhecimento, elas devem se integrar ao tecido e executar determinada função. Na medicina regenerativa, isso tem de ser controlado e dirigido. Meu ponto hoje é conhecer as células e aprender a manipulá-las para promover regeneração.

Como as células reconhecem o que é preciso fazer?
As células sentem o efeito do ambiente ao redor delas e esse contato é informativo. Com frequência, essa célula produz mediadores químicos que se difundem e levam informação para outras células, influenciando as condições do tecido e gerando efeitos sistêmicos. As células que estão distantes, por sua vez, produzem mediadores que são percebidos pela célula inicial. Com base na resposta que recebeu do tecido, essa célula modula seu contato com o ambiente. Esse conhecimento é fundamental. A célula que será usada em uma terapia, introduzida no coração, por exemplo, percebe quimicamente o ambiente. Quando ele é patológico e sofreu agressões, a célula saudável introduzida ali interpreta o que precisa ser feito e produz o reparo. A primeira terapia celular clínica de que participei foi para tratar infarto do miocárdio.

Seus trabalhos sobre terapia celular para o coração são muito citados. Como participou do projeto?
Fui para o Instituto de Química da UFRJ em 1980 fazer o cultivo de células para estudos básicos de biologia celular. Recebi um laboratório praticamente montado e fui atrás de colegas em várias instituições para obter células e iniciar a cultura. Percebi que muitas não eram bem caracterizadas ou tinham origem desconhecida. Resolvi, então, criar o Banco de Células do Rio de Janeiro, que hoje é a maior coleção da América Latina, com mais de 300 linhagens de células já classificadas. Na década de 1990, Halley Pacheco, um grande hematologista brasileiro, professor na universidade, estava instalando o serviço de transplante de medula óssea no Rio, que até então só existia no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e me convidou para montar o laboratório de preparação de células. Essas coisas me tornaram conhecido na área. Mais adiante, Hans Dohmann, cardiologista do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio, e Emerson Perin, cardiologista brasileiro do Texas Heart Institute, em Houston, Estados Unidos, levantaram a possibilidade de fazer a terapia celular em miocárdio. Era uma proposta boa e original. Por questões legais, não havia condições de fazer nos Estados Unidos e decidiu-se tentar no Rio. Na busca por quem manipulava as células, chegaram a mim.

“A célula usada em uma terapia percebe quimicamente o ambiente e interpreta o que precisa ser feito”

Já havia trabalhado com as células que seriam implantadas no coração?
Eram o mesmo tipo de célula com as quais eu trabalhava no serviço de transplante de medula óssea do Hospital Clementino Fraga, da UFRJ. A diferença é que seriam implantadas no coração, e não injetadas na corrente sanguínea. Realizamos os primeiros transplantes experimentais em cardiopatias crônicas graves, cujos resultados foram publicados em 2003. Nosso grupo e o de Dusseldorf, na Alemanha, foram os primeiros a realizar terapia celular em miocárdio no mundo. Na época, um grupo ignorava a atuação do outro, mas os resultados de ambos foram semelhantes. Esse trabalho teve muito impacto. Em seguida, fizemos no Pró-Cardíaco o primeiro transplante celular para AVC [acidente vascular cerebral] e para cardiopatias agudas.

Desses trabalhos nasce um estudo nacional com 1.200 participantes, lançado em 2004 pelo Ministério da Saúde, mas pouco se ouviu falar dos resultados. O que aconteceu?
O projeto foi ambicioso demais. Passou de uma escala de 20 pacientes para centenas, abrangendo quatro patologias e a participação de hospitais que iam de Porto Alegre a Belém. Também foi muito otimista. Os organizadores não avaliaram as dificuldades do projeto. Do ponto de vista científico, era consistente, mas de difícil execução em um país tão grande e com tantas diferenças de infraestrutura como o Brasil. Estudos multicêntricos, mesmo os internacionais, são difíceis de realizar.

Os resultados foram os esperados?
Não. O tratamento para infarto do miocárdio confirmou os resultados anteriores. O InCor [Instituto do Coração] participava de um braço com o estudo de cardiologia, mas não conseguiu se integrar muito bem e se separou em certo momento. O braço que tratou cardiopatia chagásica [doença no coração causada pelo parasita Trypanosoma cruzi], em Salvador, foi adiante, mas não deu resultados confirmatórios no longo prazo. A preparação de células para o transplante é delicada e complexa. Raros laboratórios clínicos de hospitais têm condições de fazer. Na época, participei da montagem desse tipo de serviço nos hospitais que integraram o estudo, com exceção do InCor, mas é ilusório pensar que em poucos dias se ensina a equipe a fazer a manipulação adequada.

Naquele momento, o Brasil parecia estar na vanguarda da medicina regenerativa. Qual é a situação hoje?
A fase inicial foi favorável. A legislação brasileira permitia introduzir um estudo clínico de uma terapia nova e original, devidamente autorizada pelas autoridades nacionais, sendo embasada em manipulações experimentais pré-clínicas. Isso permitiu o projeto do Pró-Cardíaco e o multicêntrico financiado pelo ministério. Em seguida, percebeu-se, até em decorrência do estudo multicêntrico brasileiro, que a qualidade de manipulação das células era crítica para os resultados. Também se verificou, aqui e no restante do mundo, que os procedimentos de manipulação celular tinham de ser regulamentados, tanto para os estudos pré-clínicos quanto para as terapias. Depois desses estudos, vários grupos na China, no Panamá e na República Dominicana passaram rapidamente a oferecer essas terapias sem nenhum controle. Seguindo os padrões rigorosos norte-americanos, tudo passou a ser proibido. Só laboratórios certificados, no caso brasileiro pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], e qualificados como Centros de Tecnologia Celular podiam manipular essas células. O processo de certificação foi longo e, durante esse tempo, a aprovação de novos ensaios clínicos na Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa] ficou difícil. Progressivamente se tornou uma medicina não autorizada para aplicação clínica. Era potencialmente permitido o uso na terapia de compaixão ou compassiva, quando não há outro tratamento satisfatório, mas era preciso que fosse feito por um centro certificado, o que não existia. Foi o período de maré baixa.

Essa situação se resolveu?
No nosso caso, por volta de 2006, o Pró-Cardíaco montou o laboratório Excellion, em Petrópolis. Vim para cá para implantá-lo, seguindo as mais rigorosas regras internacionais. Foi o primeiro laboratório de manipulação extensa de células para fins terapêuticos do país certificado pela Anvisa. A partir desse momento, pudemos preparar células para protocolos experimentais aprovados pela Conep. Isso relançou as nossas terapias. A Anvisa se envolveu efetivamente nessa questão e, em 2008, publicou uma resolução definindo como deve ser e funcionar um laboratório desses. Isso permitiu que se montasse no país uma rede de laboratórios qualificados para a manipulação de células. Começamos a subir a ladeira. Hoje alguns laboratórios funcionam muito bem, como o da Universidade de São Paulo [USP] em Ribeirão Preto e o da PUC do Paraná, coordenado por Paulo Roberto Brofman, que se tornou referência de qualidade e fornece células para a maior parte dos ensaios clínicos. O Pró-Cardíaco foi vendido para a Amil, depois comprado pelo grupo United Health, e o Excellion foi fechado.

“A terapia celular funciona bem para doenças degenerativas que afetam músculos, articulações e ossos”

A terapia celular já se reergueu no país?
Começou a se reerguer e algumas terapias começam a ser liberadas. Em 2015, o Conselho Federal de Odontologia liberou o uso de plasma rico em fibrina e plaquetas, contendo células, para acelerar a cicatrização e formação de osso. Nos últimos anos, a Anvisa publicou um conjunto de resoluções definindo os critérios para registro de terapias celulares que contemplam e definem a manipulação extensa de células a serem usadas nesses tratamentos. As perspectivas são boas, mas se percebeu que mesmo os laboratórios certificados pela Anvisa não são necessariamente capazes de manipular células de forma adequada por falta de especialistas. Não é um problema só do Brasil, mas estamos no caminho para dar um salto e poder oferecer esse tipo de tratamento, como fazem a Espanha, a Coreia do Sul, a Austrália e o Japão.

Hoje, essas terapias estão liberadas apenas para uso em pesquisa?
Para pesquisa, terapia compassiva e procedimentos clínicos com a manipulação celular realizados em instituições devidamente certificadas. Participo de estudos do grupo do ortopedista Gildásio Daltro, da Universidade Federal da Bahia, que usa células-tronco para tratar necrose da cabeça do fêmur, problema que afeta adultos jovens, em geral portadores de anemia falciforme e afrodescendentes, e costuma exigir a implantação de uma prótese metálica. Também já atuei em terapia celular para grandes queimaduras no Hospital da Força Aérea do Galeão. Conseguimos salvar a vida de muitos pacientes, inclusive parte daqueles que tinham mais de 70% do corpo queimado. O grupo do professor Brofman, em Curitiba, colabora com hospitais que usam terapia celular para tratar as úlceras diabéticas. Nos casos com indicação de amputação, extraem-se células-tronco do paciente, que depois são manipuladas e injetadas nele. Em até metade dos casos, tem-se conseguido evitar a amputação. Nos Estados Unidos, há um grupo ainda limitado de terapias autorizadas, e países da Europa, além de Japão, Coreia do Sul e Singapura, na Ásia, começam a oferecer terapias celulares feitas com todo o rigor para casos específicos e pacientes qualificados. A Anvisa está desenvolvendo um esforço notável para concluir a autorização de uma série de terapias avançadas no Brasil.

Para quais problemas a terapia celular tem sido mais bem-sucedida?
Funciona bem para doenças que afetam músculos, articulações e ossos, em especial nos processos degenerativos. Em geral, usam-se células-tronco capazes de gerar osso e cartilagem. Há uma grande demanda por esse tipo de tratamento na medicina esportiva, já que os atletas se machucam muito. O uso clínico em ortopedia já é aprovado em alguns países e imagino que será um dos primeiros a ser registrado na Anvisa. Outra área em que há potencial para avançar, mas isso ainda não ocorreu, é no tratamento de traumas da medula espinhal, que são pouco frequentes, mas muito visíveis. Em inflamações hiperagudas de intestino, como a doença de Crohn, é possível trabalhar com células-tronco alogênicas [de um doador] para reduzir a resposta inflamatória. A inflamação pulmonar causada pela Covid-19 também parece responder bem, como indicam alguns experimentos. O uso é promissor, ainda, no infarto agudo do miocárdio e no AVC.

O senhor participou da criação do polo de biotecnologia, o Bio-Rio. Como foi?
A ideia desse polo de biotecnologia, que fica no campus do Fundão da UFRJ, era criar uma ponte entre a ciência básica da universidade e o setor privado. Comecei a trabalhar na UFRJ no momento da discussão para criar uma interface com a indústria, algo absolutamente necessário. Um grupo de professores propôs a criação de um parque tecnológico, como existe em universidades estrangeiras. Fiz parte do grupo de trabalho que elaborou o projeto e o arcabouço administrativo do Bio-Rio e, mais tarde, da avaliação do valor científico das propostas apresentadas. Parei essa atividade ao integrar o serviço de transplante de medula óssea do hospital universitário. Mais adiante, mas na mesma linha de trabalho, fui convidado para trabalhar no Inmetro para atuar na interface com a área industrial. Nesses trabalhos, percebi que estávamos discutindo a interface acadêmico-industrial, mas faltava um grupo específico de profissionais: os técnicos em biotecnologia. No Brasil não tinha nenhum curso técnico de segundo grau para formar esse profissional. Na universidade, muitas vezes quem desempenha essa função é o aluno de pós-graduação, mas, na indústria, precisa-se de um técnico.

Como se resolveu a questão?
Entrei em contato com a Escola Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, no Maracanã, e montamos um curso de formação de biotecnólogos, que já tem 30 anos. Foi um desafio interessante. Sentei-me com a professora Maria Helena Nicola e, em 10 dias, criamos o projeto e o programa curricular e estabelecemos o conteúdo das disciplinas. Os alunos recebem uma excelente formação. Muitos depois cursaram uma faculdade.

“Ao atuar na interface acadêmico-industrial, percebi que faltava curso para formar biotecnólogos”

O senhor nasceu em Zagreb, quando a Croácia era parte da Iugoslávia. Tem lembranças do período?
Nasci na periferia de Zagreb em novembro de 1940. Uma semana depois a Iugoslávia foi invadida por forças alemãs e entrou para a guerra. Meu pai era sérvio e minha mãe croata. Por ser sérvio e militar, meu pai era visto pelos alemães como alguém a ser executado. Zagreb tinha uma parte mais pobre e outra mais desenvolvida, que era proibida aos judeus, ciganos e sérvios. Nossa casa era nessa parte mais rica, mas não podíamos ser vistos. Eu passava o dia na rua com minha avó longe dali e só à noite voltava para casa. Às vezes, meus pais, minha avó, minha irmã e eu tínhamos um saco de milho para passar a semana. Apesar dessas dificuldades, fui feliz na infância e na adolescência, mas só voltei para lá muitos anos mais tarde. Imigrei para a França no terceiro ano de faculdade e estava devendo o serviço militar na Iugoslávia. Até os 36 anos era considerado desertor, com risco de ser eliminado se retornasse à Iugoslávia.

No segundo grau, o senhor recebeu uma educação mais voltada para as ciências humanas. O que o fez mudar para a biologia?
Em Zagreb, havia um colégio tradicional de excelência, para onde iam os melhores alunos. Ali, ensinava-se a cultura clássica, além de grego e latim, esta última foi a língua oficial do governo croata até o fim do século XIX. Fui classificado e entrei nesse colégio. Desde o início, no entanto, eu tinha interesse pela natureza e era muito apoiado pelo meu avô paterno, um padre ortodoxo. Depois da guerra, vivi um período com ele na Bósnia. Ele tinha um sítio e me levava para passear por campos e florestas. Quando fui estudar biologia na Universidade de Zagreb, minha ideia era trabalhar na preservação de parques naturais. Por causa das dificuldades econômicas e sociais, decidi ir para a França, onde passei um curto período como imigrante ilegal. Na França, soube de uma bolsa para estrangeiros na Universidade de Estrasburgo e me candidatei. Foi quando entrei no grupo do professor Lévi. Com os trabalhos do fim da graduação, consegui me tornar pesquisador do CNRS [Centro Nacional de Pesquisa Científica], um paraíso para qualquer cientista. Como havia me naturalizado francês, tive de ir para o serviço militar. Eu já era doutor e tinha idade bem superior à dos ingressantes, então, encaminharam-me para uma cooperação científica internacional entre França e Brasil.

Foi assim que veio para cá.
Em fevereiro de 1969 começou minha vida brasileira. Fui primeiro por um curto período para Recife, onde havia uma demanda, e passei um tempo embarcado no navio Oceanográfico Almirante Saldanha, da Marinha do Brasil, estudando biologia marinha. Depois, fui enviado para o Instituto de Pesquisas da Marinha, o IPqM, na Ilha do Governador, no Rio. Lá, comecei a trabalhar com o Almirante Paulo Moreira, que estava montando um centro de biologia marinha em Arraial do Cabo, no litoral norte do Rio, em colaboração com a França. O IPqM tinha um convênio com o Instituto de Pesquisa do Exército Walter Reed, dos Estados Unidos, que tentava desenvolver um medicamento que pudesse ser passado na pele e protegesse os soldados da infecção pelo parasita da esquistossomose.

Qual foi sua participação?
Eles me pediram para fazer o cultivo de células para os estudos de penetração do verme. Foi minha chegada à esquistossomose. Adorei o Rio e terminei meu serviço militar e fui para a cooperação civil como servidor do Ministério de Relações Exteriores da França. Nesse momento, havia outro projeto franco-brasileiro, montado pelo médico almirante Aluízio Prata, para estudar a patologia da esquistossomose em uma região em que a doença é endêmica na Bahia. A embaixada francesa me transferiu para o Instituto Gonçalo Muniz, que era privado [depois foi incorporado à Fiocruz], e comecei a estudar a patologia da esquistossomose. A orientação era por meio do Instituto Pasteur de Lille, que estava engajado no desenvolvimento de uma vacina. Ali tive meu primeiro contato com problemas médicos de uma população pobre de um país tropical. Depois fui convidado pela Organização Mundial da Saúde [OMS] para integrar um comitê de medicina tropical para garantir a integração entre as ciências básicas e a medicina. Os estudos em imunologia seguiram adiante, mas oito anos depois acabou o financiamento do Pasteur e o desenvolvimento da vacina não foi alcançado. Com isso, os projetos de cooperação bilateral diminuíram e minha participação foi reduzida. Em 1979, o serviço de cooperação quis me transferir para outro país.

É verdade que quase foi para o Irã?
Nas reuniões da OMS em Genebra, tempos antes, eu tinha como colega no comitê o bioquímico Jacques Monod [1910-1976], do Instituto Pasteur, que havia recebido o Prêmio Nobel de Medicina de 1965. Monod me chamou para uma conversa em Paris e fez um convite para criar a parte de biologia celular no Instituto Pasteur que ele estava montando em Teerã, sob o patrocínio do xá Reza Pahlevi [1919-1980]. Inicialmente era impensável ir da Bahia para o Irã, mas acabei aceitando. Voltei para o Brasil porque tinha questões a resolver. Enquanto desativava meu laboratório na Bahia, ocorreu a Revolução Iraniana e o Pasteur de Teerã foi destruído. O último avião francês que conseguiu sair do Irã recolheu os funcionários do instituto, com a roupa do corpo.

“Em Zagreb, durante a guerra, às vezes tínhamos um saco de milho para passar a semana”

Por que decidiu ficar no Brasil?
Gostava daqui. A situação ficou complicada no Pasteur e meu projeto na Bahia já não existia mais. Fui para o Rio, entrei pela segunda vez para o CNRS e comecei a organizar um programa de cooperação internacional envolvendo a UFRJ, onde comecei como professor visitante, e o Instituto Pasteur de Lyon. Fui muito feliz no campus do Fundão.

Como eram as condições na UFRJ naquela época?
Havia bastante dinheiro. No Instituto de Química, tínhamos condições de trabalho muito boas. Eu passava alguns meses no Rio e outros em Lyon, mas, sinceramente, tinha mais facilidade para trabalhar no Fundão. Essa foi uma das razões que me levaram a fazer concurso e me ancorar na universidade. Na época, trabalhávamos com projetos de longo prazo, que nos permitiam sustentar nossas pesquisas. Por não ter formação em química, fiquei inicialmente deslocado no instituto, mas a interface entre as ciências exatas e as aplicadas à área biomédica tornava-se mais relevante. Fiquei responsável pelos cursos de bioquímica celular da graduação, que atraíam também alunos de biologia e medicina, e assumi por longo período a coordenação do curso de pós-graduação em bioquímica do instituto. Esses cargos me levaram a um diálogo crescente com a área médica. Fiquei muito bem impressionado com a qualidade do trabalho dos laboratórios e via a UFRJ com muito otimismo. Tive excelentes relações com grupos da USP, da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fui convidado pelo bioquímico Ricardo Brentani [1937-2011], então diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, para ir para São Paulo, mas eu tinha uma estrutura que funcionava muito bem na UFRJ. E, cá entre nós, prefiro o Rio.

Como é que está a universidade hoje?
Sou professor emérito. Não tenho mais muita atividade lá e é complicado falar. Tive um câncer no início dos anos 2000 e me aposentei. Depois veio a montagem da Excellion e a ida para o Inmetro. Com o tempo, parei de frequentar a universidade, mas mantenho contato. Acho que a UFRJ precisa de uma renovação. A Coppe [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia] funciona muito bem, mas a área da saúde nem tanto. O hospital universitário parece estar em situação difícil. Estamos passando por um período complicado. UFRJ – 100 anos

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-NDLeia o original aqui.
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